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sexta-feira, 11 de abril de 2008

As táticas e a interculturalidade

Segundo Josgrilberg (2005) embora Certeau não apresente reflexões estanques em relação às idéias de Foucault, este primeiro é mais versátil, concebendo não apenas a disciplina, mas também destaca a antidisciplina. Os lugares são determinados pela organização das estratégias, que estabelecem uma relação de poder intrínseca sobre o tempo, gerenciando nossas atividades. Porém, os discursos, necessários a instituição do poder não são sempre consumidos de forma passiva, sem uma reação corporal, pois “o corpo desenha suas correlações essenciais e rejeita espontaneamente o incompatível” (CERTEAU, p. 182, apud JOSGRILBERG, 2005, p. 58).
As fissuras encontradas dentro do lugar controlado permitem a conformação de um espaço, “o qual não se pode possuir, mas usar” (Ibidem, p. 74). Então, nesse processo, surge o que convencionou-se intitular de marginalizados, que na verdade, representam àquelas pessoas que buscaram um outro caminho que não seja aquele que estava posto e que é tido como base comum para a maioria da totalidade. O desenvolvimento dessas operações não entoam com as exigências do aparato disciplinar, logo não possuem um lugar específico, não se baseiam na austeridade, já que estão sempre em movimento, recebendo a designação do termo “táticas”, proposta por Certeau.
Essas formas de resistência impulsionam os indivíduos ao respeito a alteridade, bem como direciona-os a perspectiva de horizontalidade, cuja forma de relacionamento social não é definida por um grupo seleto de pessoas, que acredita ser proprietário do poder, definindo a maneira de utilização do tempo e do corpo. Justamente, por constituir-se numa prática diferenciada aos métodos estratégicos do lugar é que se estabelece referenciais alicerçados na heterogeneidade, desvincilhando-se das formas imperiais, inibidoras de quaisquer comportamentos estranhos.
Porém, existe uma questão emblemática nessa discussão, pois há aqueles que não concordam com as imposições do aparato disciplinar, mas criam outras formas uníssonas de agir. Nesse sentido, certos movimentos envernizam-se do discurso de pluralidade cultural, de interculturalidade, entretanto apresentam práticas que consideram ser as únicas capazes de transcender o indivíduo, construindo novos paradigmas, a medida que pecam ao atribuir juízo de valor sobre as outras formas de viver. Esses são alienados, pois não percebem ou não se permitem percebem que o “espaço” na perspectiva de Certeau não é seu substrato referencial e sim, a constituição de um novo “lugar”. E ainda, acham-se no direito de criticar o outro que está sob controle disciplinar, quando estes se encontram em posição de disciplinador.
Ora, esse não seria um outro sectarismo? Como é possível ter coerência naqueles que saem da condição de submissos para concretizar novos imperialismos? Onde se encontra a valorização do “conhecimento dos subjugados”?
É claro, que esses fatos sinalizados não são isolados, mas também não são generalizados, pois a dialética lugar-espaço-lugar não se caracteriza como um círculo vicioso, mas como manifestação concreta das operações sejam elas estratégicas de organização ou táticas. Apesar da interculturalidade ser algo difícil de se conceber, alcançá-la não é impossível e perpassa pela busca eminente do respeito as crenças e vivências do outro.

Jamille da Silva Lima, em 08/04/2008.


Referências

JOSGRILBERG, Fábio B. Cotidiano e invenção: os espaços de Michel de Certeau. São Paulo: Escrituras Editora, 2005. (Coleção ensaios transversais; 32)

A fila: um lugar e/ ou espaço?

Foucault apud Josgrilberg (2005) destaca o poder do “aparato disciplinar” sobre a sociedade, na qual algumas ações são desenvolvidas tendo em vista possibilitar o controle social, instituindo as tecnologias de poder que gerenciam o tempo e o corpo. Certeau (1980) apud Josgrilberg (2005) dialoga com as proposições de Foucault, elaborando o conceito de lugar controlado. Neste sentido, estratégias são criadas para determinação de um lugar, cuja premissa é o estabelecimento da disciplina, que colonializa nossas atividades.
Se atentarmos para essas sinalizações, constataremos que a fila constitui-se num lugar controlado, tendo dias delimitados e locais para sua existência e atuação. Muitas vezes, mensura-se até a quantidade de pessoas que poderão ter seus objetivos assistidos naquele “lugar”, controlando até o tamanho da fila. Há também uma hierarquização, pois cada pessoa é definida a partir da sua posição e sair desta organização ordinária, implica na perca da sua localização no lugar em tela.
O uso das estratégias é ainda mais explícito quando constatamos a seletividade sócio-econômica que as filas não conseguem ocultar. Por esta razão, nossos olhos muitas vezes já não estranham quando vêem somente pessoas de baixo poder aquisitivo enfrentando as grandes filas, o que contribui para que essas práticas tornem-se comuns e aceitáveis.
A classe social economicamente privilegiada não precisa “perder tempo” nesses lugares controlados. Mas, é claro que isso não garante que elas estejam no que Certeau denomina de espaço, pois ter determinadas prerrogativas não significa ausência de controle. A classe solvável, não necessita ficar durante horas em pé esperando algum tipo de atendimento, já que geralmente lhe é reservado salas adornadas de suntuosidade e conforto, porém nesses “lugares”, tidos como espaços, reinam a hipocrisia, a falta de compaixão e a competitividade, pois as relações interpessoais são orquestradas pelo capital, interessando sempre obter lucratividade, mesmo que para isso tenha que sobrepor-se em relação ao Outro.
A busca eminente e a materialização do controle podem ser verificadas tanto numa fila, quanto numa luxuosa sala de atendimento. Todavia, apesar do desconforto e das tribulações que as grandes filas nos impõem, elas também constituem-se num espaço de solidariedade, enquanto que no lugar supracitado acessível a poucos, a manifestação escalar desse sentimento que horizontaliza as relações sociais é muito menor, pois muitos são estruturados de acordo o seu montante financeiro, conduzindo suas ações por uma concepção de verticalidade.
Além disso, essa idéia de hierarquização social contribui para a fortificação dos conceitos unos e estáticos, visto que atribui-se intrinsecamente rótulos sempre pejorativos aos marginalizados sócio-economicamente, acentuando a miopia desses agentes inertes na perspectiva unilateral, que se inibem a ascender-se a uma proposta que não exclui a possibilidade de novos entendimentos.

Jamille da Silva Lima, em 07/04/2008.


Referências
JOSGRILBERG, Fábio B. Cotidiano e invenção: os espaços de Michel de Certeau. São Paulo: Escrituras Editora, 2005. (Coleção ensaios transversais; 32)

quinta-feira, 10 de abril de 2008

A Fila do Bolsa Família








Todo mês, durante uma semana, é realizado o pagamento do programa Bolsa Família na cidade de Teofilândia. Notavelmente é mais um fato comum dentro da dinâmica social e cotidiana dos moradores da cidade. A grande maioria dos beneficiários são oriundos da zona rural, que deslocam-se em transportes compatíveis com a situação de vida (predominância de “paus de arara”). É banal o encontro de grupos de diferentes povoados, que sob um escaldante sol (exemplificação muito observada) permanecem em meio à grande fila na espera do atendimento ou receber o dinheiro.
Neste lugar, diverso em termo de desejos, padrões de vida e carga cultural impõe-se subjetivamente e de forma objetivamente real “um cântico de acolhimento” e de cooperação, no que concerne à palavras, conselhos ou referências ligadas a estilos de vida consagrados. Lá, falar e/ou expressar-se é obrigação! O outro é importante na medida que lhes é atribuída e manifestada tal designação. Comer a “marmita” quente no sentido lógico e literal (sol), em meio a fila, é algo normal, pois, negar o que se passa no habitat normal que é a roça é inconcebível, e não compatível com sua endoculturação.
A materialização e/ou manifestação de cargas de vida, propagam-se intensamente em forma de casos cotidianos vividos, histórias do passado experimentado e berço de aprendizado, piadas ou até mesmo situações ocorridas na própria fila. Por instantes, esquece-se do objetivo formal devido a embriaguez do “mundo pessoal” comum e arraigado de ações culturais, a fila anda, então, retorna-se o pensamento para as angustias que os acometem diariamente. O que fazer com o dinheiro recebido? Ou seja, qual o sentido de privilégio para quem nunca teve privilégio de ter privilégios? No mais, a necessidade de existência e sobrevivência impera ante a realidade sofredora e o momento de descontração na fila.
Trocar experiências e flexibilizar a situação é o ato de significação existente. Provavelmente situações como essa, são mais difíceis ou improváveis de acontecerem quando não há um principio motivador generalizado que as cause, ou alguma obrigação ou necessidade ante algo formalizado e legal.
Enfim, a fila do Bolsa Família é muito mais do que aparenta ser e do que realmente é. Entendê-la é manifestar um olhar compatível ou afim com tais situações. É estar endoculturizado com a endoculturação do próximo, assim impondo e/ou manifestando ações de respeito e desejo de aprendizagem ante a cultura resplandecente e irradiante no “meio vivente”. É preciso desconstruir algumas aparentes verdades, e valorizar as imagens que conduzem nossas ações, tendo como um dos pressupostos a valoração da cultura, não como uma forma de acesso generalizado, e sim como algo inerente à consciência e a inconsciência de cada indivíduo.

Hercules de Oliveira Ferreira (em 08/04/08)


REFERÊNCIA:
MELLO. Luiz Gonzaga de. Antropologia cultural: Iniciação, temas e teorias. Petrópolis: Vozes, 1987.

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